A civilizada torcida equatoriana

Nunca imaginei ver, na América do Sul, torcidas rivais chegarem juntas ao estádio

Por Thiago Marcondes

Sempre que viajo tento, de alguma maneira, ir ao estádio assistir uma partida de futebol do time local. Na Argentina e Chile não consegui porque no primeiro país não houve jogo enquanto estive em Mendoza e, no segundo, o campeonato havia acabado. No Maranhão, cidade de São Luis, teve o encontro entre Sampaio Correia e Londrina, mas por conta do pouco tempo que fiquei na capital optei por conhecer os pontos turísticos.

Cheguei em Quito no sábado e domingo, 30/04, haveria o clássico da cidade entre El Nacional e Liga Deportiva Universitaria (L.D.U.), no Estádio Olímpico Atahualpa. Eu sabia o horário e me informei sobre como chegar ao local, via transporte público, pois queria sentir um pouco da cidade, do povo e o clima da torcida.

O El Nacional foi o mandante e eu não sabia como funcionavam as separações de torcida no Equador e tampouco se o visitante tem uma quantidade mínima de ingressos, ou até mesmo se poderia ter torcedores de ambos os times no estádio. Em São Paulo quando há clássicos os jogos têm torcida única por conta de segurança e violência.


Estádio Olímpico Atahualpa - Batán Alto
Estádio Olímpico Atahualpa, Quito

Peguei o ônibus, junto com minha esposa, na certeza que torcedores do El Nacional estariam à caminho do estádio, mas para minha surpresa ocorreu o contrário. Apenas torcida da L.D.U. no transporte e muitas mulheres, crianças e famílias. O que era preocupação com possível violência passou a ser uma situação confortável, pois se no clássico da cidade as famílias vão ao estádio com as camisas dos times é porque praticamente não há brigas.

O ônibus chegou ao destino e, para mais uma surpresa, o ponto era bem na torcida do El Nacional. No momento não entendi muito bem, pois no Brasil a guerra estaria armada e o confronto seria inevitável. Para meu deleite os torcedores da L.D.U. caminhavam tranquilamente entres os rivais e vice-versa, sem qualquer tipo de agressão física ou verbal. Havia, sim, policiais para separar as entradas do estádio, pois cada torcida tem seu lado. Mas ao redor do estádio caminhava-se livremente sem ser importunado.

Existem ingressos para arquibancada (general), numerada descoberta (tribuna) e coberta (palco). Comprei os ingressos para a tribuna e fui até um shopping próximo procurar camisas de times (sou colecionador e tenho mais de 70) e no caminho encontrei casais onde cada um estava com a camisa de um dos times, famílias mescladas e ambas as torcidas caminhavam, tranquilamente, juntas na mesma avenida sentido ao estádio. Fiquei maravilhado com isso! Sou frequentador de estádios e essa situação, que deveria ser normal, foi surreal para mim.


Estádio Olímpico Atahualpa
Torcida de ambos os times dividem a mesma arquibancada

Entrei no estádio pelo lado da torcida da L.D.U. e perguntei para uma funcionária se os números dos assentos deveriam ser reservados e me disse que não. Inclusive, se eu preferisse, poderia ir para o lado dos torcedores do El Nacional. Como assim trocar de torcida? Por onde? E as brigas e xingamentos?

Na tribuna e palco não há divisão de grades ou policiais entre as torcidas e não importa por qual portão o torcedor entre, pois dentro do estádio é possível escolher qual lado ficar. Na arquibancada tem divisão e não há como mudar. Inclusive para a organizada da L.D.U. tem uma parte específica do estádio.

Os torcedores, logicamente, se posicionam mais próximos das arquibancadas onde tem mais apoiadores do seu time, mas nada impede de um torcedor da L.D.U. fique próximo da general onde está a turam do El Nacional e vice-versa. Enxerguei nessa situação um grande respeito dos equatorianos com eles mesmos, pois entendem que futebol, apesar de ser uma paixão, é também diversão e não há motivos para brigas.

Estádio Olímpico Atahualpa

No primeiro tempo fiquei ao lado da maioria de torcedores da L.D.U. e no segundo fui para a parte do El Nacional. Ambas as torcidas são apaixonadas por seus times e a partida terminou empatada em 1x1, mas para mim a grande vitória foi poder ver famílias, amigos e casais, que torcem cada um para um time, irem ao estádio com paz e tranquilidade em um domingo de manhã.

Violência existe? Sim, tanto que a torcida organizada fica no estádio após o término da partida. Confrontos também ocorrem, mas longe do estádio e nunca com agressão à famílias, crianças e mulheres. Ainda precisam melhorar essa questão? É claro, mas diante disso tudo constatei que os equatorianos estão extremamente à frente de nós, brasileiros, no quesito de respeitar a opção do próximo quando o assunto é futebol.

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Comentários

Jean Reis disse…
Ótima matéria, lamentável como o brasileiro está com a mentalidade atrasada. Triste.
Geovan Sena disse…
Ótima matéria, os brasileiros deveriam se atualizar e para com essas brigas desnecessária por um motivo tão banal.
Parabéns aos torcedores do EI Naciomal e https://pensandonodiaadia.blogspot.com/logout?d=https://www.blogger.com/logout-redirect.g?blogID%3D4043921682065637062%26postID%3D8271039706321849145LDU.
Faguiner Dias disse…
Sensacional! Mais um texto que abre a minha mente e me faz entrar em um mundo que ainda não visitei (fisicamente). Thiagão com as suas palavras você consegue emocionar, cara! Você nasceu pra isso!

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